Reforma Tributária

Após décadas de espera, o Congresso Nacional finalmente concluiu a reforma do sistema de tributação indireta no Brasil, mediante a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, cujos principais elementos seguem abaixo apontados, de modo resumido e objetivo.

Resta aguardar a apresentação, análise e aprovação, ao longo de 2024, dos projetos de lei complementar que deverão regulamentar diversos aspectos do novo sistema de tributação, os quais ainda se encontram em aberto no texto constitucional.

Substituição de IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins e IOF-seguros pelo IBS e pela CBS

  • Incidência ampla do IBS e da CBS, abarcando operações com bens materiais, imateriais, direitos ou serviços, inclusive importações.
  • Legislação única e uniforme para o IBS, podendo haver apenas alíquotas fixadas pelas leis estaduais e municipais, mas sem diferenciação em razão do bem ou serviço tributado.
  • IBS corresponderá ao somatório das alíquotas do Estado e do Município de destino da operação.  Senado Federal ficará alíquotas de referência, que serão aplicadas se nenhuma outra for estabelecida pelo Estado ou pelo Município competente.
  • Cálculo do IBS e da CBS será sempre “por fora” e sem a inclusão de outros tributos nas suas bases de cálculo.
  • IBS e CBS deverão ser amplamente não-cumulativos, excepcionando-se apenas os créditos sobre bens, direitos ou serviços de uso ou consumo pessoal.  Créditos acumulados deverão ser recuperados, mediante compensação ou restituição.
  • Possibilidade de uso de regra de split payment para compensação e de cashback para pessoas físicas, com o objetivo de reduzir desigualdades de renda (obrigatório no fornecimento de energia elétrica e gás liquefeito derivado do petróleo).
  • Uniformidade de regras para IBS e CBS, com relação a fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de incidência, sujeitos passivos, imunidades, regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação e regras de não-cumulatividade e creditamento.
  • Desoneração da aquisição de bens de capitais, que poderá ocorrer mediante crédito integral e imediato do IBS, diferimento ou redução em 100% das alíquotas.
  • Criação de Comitê Gestor do IBS, que terá competências relacionadas à distribuição do produto da arrecadação do imposto, à retenção de saldos acumulados de créditos não recuperados pelo contribuinte, à edição de regulamento único para o imposto, à uniformização e à aplicação da legislação do IBS, e à resolução de conflitos no contencioso administrativo.
  • Competência do Superior Tribunal de Justiça para julgar conflitos envolvendo o Comitê Gestor do IBS, relativamente a esse imposto e à CBS.
  • Vedação à concessão de benefícios fiscais relativos ao IBS e à CBS, sendo excepcionados os regimes específicos, diferenciados e favorecidos previstos na própria Constituição, além da possibilidade de diferimento e desoneração relacionados a regimes aduaneiros especiais e zonas de processamento de exportação, bem como a tributação zero da Cesta Básica Nacional de Alimentos.
  • Regimes específicos, que podem envolver regras especiais quanto a alíquotas, não-cumulatividade e base de cálculo, devendo alcançar:
    • Combustíveis e lubrificantes.
    • Serviços financeiros, operações com imóveis, planos de saúde e concursos de prognóstico;.
    • Sociedades cooperativas.
    • Serviços de hotelaria, parques de diversão e temáticos, agências de viagens e turismo, bares e restaurantes, aviação regional e atividade esportiva desenvolvida por Sociedade Anônima do Futebol.
    • Operações alcançadas por tratado ou convenção internacional, inclusive referentes a missões diplomáticas, repartições consulares, representações de organismos internacionais e respectivos funcionários acreditados.
    • Serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário e hidroviário.
  • Regimes diferenciados, compreendendo a possibilidade de redução do IBS e da CBS para determinadas hipóteses, com avaliação quinquenal do custo-benefício das exceções:
    • Redução de 60% para: serviços de educação; serviços de saúde; dispositivos médicos; dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência; medicamentos; produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; serviços de transporte público coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semiurbano e metropolitano; alimentos destinados ao consumo humano; produtos de higiene pessoal e limpeza majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda; produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura; insumos agropecuários e aquícolas; produções artísticas, culturais, de eventos, jornalísticas e audiovisuais nacionais, atividades desportivas e comunicação institucional; e bens e serviços relacionados a soberania e segurança nacional, segurança da informação e segurança cibernética.
    • Isenção para serviços de transporte público coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semiurbano e metropolitano, se assim determinado por lei complementar.
    • Redução de 100% para dispositivos médicos, dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência e medicamentos, se assim determinado por lei complementar.
    • Redução de 100% para: produtos hortícolas, frutas e ovos; serviços prestados por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) sem fins lucrativos; automóveis de passageiros para pessoas com deficiência ou com transtorno do espectro autista, ou para uso como taxi.
    • Isenção ou redução em até 100% para atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística.
    • Redução em 100%, apenas da CBS, para serviços de educação de ensino superior alcançados pelo Prouni.
    • Redução de 30% para a prestação de serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, desde que sejam submetidas a fiscalização por conselho profissional.
  • Regimes favorecidos: microempresas e empresa de pequeno porte (Simples Nacional); e biocombustíveis e hidrogênio verde, para assegurar-lhes tributação inferior aos combustíveis fósseis.
  • Previsão para que a legislação do IBS e da CBS mantenham mecanismos para assegurar diferencial competitivo à Zona Franca de Manaus.  IPI continuará sendo cobrado sobre produtos que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus.

Instituição do Imposto Seletivo (IS)

  • Possibilidade de criação de imposto seletivo sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
  • IS integrará a base de cálculo do ICMS, ISS, IBS e da CBS, podendo ter o mesmo fato gerador e a mesma base de cálculo de outros tributos previstos na Constituição.

Transição para o novo regime da Reforma Tributária

  • 2026: instituição do IBS (alíquota estadual de 0,1%) e da CBS (alíquota de 0,9%), com compensação do valor devido contra a contribuição ao PIS e a Cofins, contra outro tributo federal ou recuperação mediante ressarcimento.
  • 2027: extinção da contribuição ao PIS e da Cofins; instituição da CBS, instituição do IS; e redução a zero do IPI, exceto para os produtos industrializados na Zona Franca de Manaus.
  • 2027 e 2028: IBS passará a ser cobrado pela alíquota estadual de 0,05% e pela alíquota municipal de 0,05%.  CBS será reduzida em 0,1% durante esses dois anos.
  • 2029 a 2032: alíquotas do ICMS e do ISS serão reduzidas a 9/10, em 2029, 8/10, em 2030, 7/10, em 2031, e 6/10, em 2032.  As mesmas proporções serão aplicadas para redução dos benefícios fiscais relativos àqueles dois impostos.
  • 2033: extinção definitiva do ICMS e do ISS.
  • 2027 a 2033: Senado Federal fixará as alíquotas de referência do IBS e da CBS, para assegurar que a receita da União será mantida, apesar da redução da arrecadação com a contribuição ao PIS, a Cofins, o IPI e o IOF sobre operações de seguros.
  • 2029 a 2033: Senado Federal fixará as alíquotas de referência do IBS e da CBS, para assegurar que a manutenção do nível de arrecadação por Estados, Distrito Federal e Municípios.
  • 2030 e 2035: possibilidade de revisão e redução das alíquotas de referência, em razão de eventual aumento de arrecadação medida nos períodos de 2027/2028 e 2029/2033.
  • 2029 a 2027: regras de transição financeira, para distribuição da arrecadação do IBS entre Estados, Distrito Federal e Municípios.
  • Saldos credores de ICMS existentes ao final de 2032: deverão ser homologados junto à Unidade Federada competente; poderão ser transferidos a terceiros; serão compensados com débitos do IBS, em até 240 parcelas mensais, ou ressarcidos.
  • Créditos acumulados de IPI, Contribuição ao PIS e Cofins, não apropriados ou não utilizados até a sua extinção, poderão ser compensados com outros tributos federais ou ressarcidos.

Novos fundos e benefícios fiscais relativos na Reforma Tributária

  • A reforma tributária prevê a criação de dois fundos públicos relacionados às mudanças do sistema de tributação indireta.
  • O primeiro deles – Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) – terá como objetivo compensar Estados que terão prejuízos com a eliminação da possibilidade de concessão de benefícios fiscais do IBS para atração de investimentos.
  • O FNDR será custeado pela União e deverá ser usado pelos Estados para: (i) investimentos em estudos, projetos e obras de infraestrutura; (ii) fomento a atividades produtivas com elevado potencial de geração de emprego e renda, incluindo a concessão de subvenções econômicas e financeiras; e (iii) ações de desenvolvimento científico e tecnológico e inovação.
  • Em razão da redução gradual dos benefícios fiscais relativos ao ICMS, durante o período de 209 a 2032, será instituído o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, custeado pela União e cujo funcionamento será regulado por lei complementar.

Outras mudanças

  • Inserção dos princípios tributários da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente.
  • Ampliação da imunidade constitucional dos templos religiosos, para abarcar também as organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas.
  • Autorização para concessão de incentivos tributários regionais, considerando critérios de sustentabilidade ambiental e redução de emissões de carbono.
  • Permissão para a cobrança, por Municípios e Distrito Federal, de contribuição para custeio de sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros públicos.
  • ITCMD: (i) alteração da competência tributária para que o Estado de domicílio do de cujus possa exigir o imposto; (ii) progressividade em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação; (iii) imunidade quando beneficiar instituições do sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública ou social, inclusive organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas e institutos científicos e tecnológicos; (iv) definição de competências para as hipóteses de doador ou de cujus no exterior, até que lei complementar disponha em sentido contrário.
  • IPVA: (i) alíquotas diferenciadas em razão do tipo, valor, utilização e impacto ambiental do veículo; e (ii) incidência também sobre veículos aquáticos e aéreos, excluídos aeronaves agrícolas e certificadas para serviços aéreos a terceiros, embarcações de transporte aquaviário ou pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência, plataformas e embarcações para exploração de atividades econômicas em águas territoriais e zona econômica exclusiva, bem como tratores e máquinas agrícolas.
  • IPTU: autorização para Poder Executivo municipal atualizar base de cálculo do imposto, com base em critérios estabelecidos em lei local.

Por José Luis Brazuna